sábado, 22 de dezembro de 2012

A estação




A Companhia disse que o homem é um grande processo o qual não se consegue estimar limites.
Do fogo aos ares ele alçou voo e não mais desceu a terra, a não ser para aquecê-la um pouco mais que os seus próprios atributos podem aquecer. Viveu e parece que ainda vive por cima de expectativas, das mais singelas às mais destemidas e largas. Por onde caminha? Pelo grande corredor. A grande passarela histórica desemboca num trecho onde as placas não mais são queimadas pelo sol, muito menos tingidas com as mãos e com pincéis... São agora luminosas, brilhantes e chamativas. São além de meros objetos, passaram a ser “um de nós”. Piscam de acordo com os investimentos de fé nas sinalizações e nas transações a que chegamos.
A última parada, a que estamos esperando o próximo trem passar, pode ter sim um brilho novo, “lâmpadas mais bonitas”, e até mesmo um amigo binário o qual possamos trocar segredos sem sequer sermos alguém! É sobre esta parada – não se sabe mais se podemos chamar de estação – que a vida de muitas pessoas espera algo ou alguém maior que ela. Algo que ainda não tem nome, muito menos sentido e referência, aliás, escutamos o barulho de dúvida vindo pelos trilhos que não mais o são e, nesses gemidos, nesses ganidos que se massificam na estação o máximo que podemos decifrar é um ponto de interrogação desfilando ao nosso redor. Não tem lugar fixo, não significa, não resume e nem existe! Nessa estação, onde as pessoas se comunicam com as almas das outras por um dom incrível, o poder da fala e da mão se esfarelou, e as malas aguardam sentadas e cuidadosamente enfeitadas para ver o ridículo das arrogâncias humanas passarem.
“Foi uma viagem longa sim... Passamos por grandes adaptações”, dizem os viajantes. Já aprendemos a criar e desaprendemos. Já criamos o céu e destruímos a terra. Já choramos por palavras alinhadas em força de um povo e hoje somos sílabas de solidão rodeando frases que não mais se denotam. Somos grandes hoje! Há quem diga isso! Somos interrelacionados! Nunca vivemos tão próximos uns dos outros na história dessa viagem. Nunca nossas malas se sentaram e se acomodaram como se fossem crianças de colo! Nunca tivemos uma liberdade dessas! Dessas que significa ser livre de mim mesmo... Liberdade... Liberdade de comprar coisas! Liberdade de ver lâmpadas acenderem e apagarem! Liberdade de não pensar! Liberdade de um espectador sem expectativas...
Já faz um tempo que meus ouvidos se irritam com tantos chiados e sinais de evolução. A globalização, o nome que deram a esta parada, que ainda esperamos um trem chegar, está tão cheia de corpos desfilantes, tão cheia de desespaços que quando olho para o cinza dos olhos, não sei mais se são dos homens ou dos letreiros. O ruído é tão entediante que a mala que seguro nas mãos vibra como que se pedisse para sair deste lugar, em desespero... É tão engraçado... Criaram o fogo por sobre a terra; criaram a roupa por sobre o corpo; o nojo por sobre os bichos da terra; o trem por sobre os trilhos da firmeza natural e bela; a estação por sobre a astúcia e o dom de criar e... E hoje voam por cima da terra para não sentir o calor do fogo, por cima do tempo para não confundirem a intenção das roupas, por sobre o trem que conduziu o seu destino... E hoje vivem sem lembrar que já tiveram a astúcia e o dom de criar.
São espectadores dos barulhos de algo que nem sabem o nome. E nem o querem saber! Descobriram que as luzes brilham por eles! Descobriram que o poder das palavras se faz mesmo é com a necessidade de se comunicar agora, e somente agora! Não há mais olhares na estação... Não há mais abraço na estação... Não há mais família na estação... Agora o que move os homens-objetos é a vontade de ter. A felicidade dos homens-objetos-e-luminosos é agora um aparato de botões pensantes, uma voz que grita por fios, um olhar que se vê digitalizado... Eis a felicidade dessa parada. Tão diferente das outras, tão mais barulhenta que as outras, tão mais duvidosa que as outras. De todos os lugares do corredor que passamos, não chegamos a presenciar tanto desperdício de essência humana! Tanta desatenção de apreços... Quer dizer, os apreços continuam, mas não o são mais pelo corpo, sim por uma janela brilhosa, por signos representantes, por seres que estão para além dessa ideia velha de homem real... Ouço muito dizer nesta estação que, afeto mesmo, que sentimento mesmo só é possível num estreito isolamento, o qual se conhece muito mais aos outros que a si mesmo e ao corredor.
A impressão que nos dá – e nem sei mais se posso me colocar junto de todos – é que não tem trem algum por vir! A impressão que me dá é que... é que só eu mesmo quem espera por algo que se move pela terra! Só eu mesmo para querer encontrar união de criadores discutindo sobre o papel dos trilhos na escrita dos corredores e das viagens. Só eu mesmo pra acreditar que não acredito em fim da linha... A tão almejada estação está aí. Uma expectativa imensa perdurou por toda a viagem e agora... E agora aqueles que poliam expectativas e decifravam os sinais de esperança não mais estão aqui para, pelo menos, fazer deixar estes de admirar aquilo que nem sabem o que admiram... Pena os expectadores terem virado espectadores. Pena não poder ouvir mais o som da chuva, que se cobre de vergonha e que se vira para não atrapalhar os novos belos ruídos da estação.
   É... a Companhia estava mesmo certa quando disse que o homem é um grande processo, o qual não se consegue estimar limites. Eu vejo essa ilimitação de perto, sentado por sobre suas ideias e me limitando a pensar fantasias, que sequer querem ser processo, muito menos rompedora de limites. Estou certo de que o trem não vai chegar mesmo. É claro, nas telas do novo homem há um meio de passar dessa história para outra em um sopro de vento, quer dizer, em um “toque de tela”. Sobre a plataforma estão convencidos de que não há nada mais importante que ser livre, que usufruir, que comprar, que esquecer... Estão entretidos com o mundo novo. Estão cegos com tanta claridade, estão surdos com tanto barulho. Louco sou eu de pensar que em meio a tanta novidade esmagadora de natureza prefiro cochilar e sonhar que paramos na estação errada, que essa história seja apenas uma história pra eu contar quando chegar em casa.

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