(...) Ele disse: digo
a verdade porque detenho o dom das palavras!
E você? Em que acha que sobre mim exerce alguma supremacia?
Vocês são bichos, irracionais! Não sabem falar, não sabem criar, não sabem
interpretar!
Nesse momento o papagaio Tadeu tentava dizer: “Nãosabemfalar! Nãosabemfalar!”.
O eco do bicho alcançava uma volta de olhares, chegando até a casa de João,
João de Barro. Este saiu de sua casa, que ainda cheirava a nova, e decidiu
ouvir mais atentamente a discussão. E eis que escuta o homem gritando:
– “Vês?! Você não faz outra coisa que repetir, repetir e
repetir! Por que acha que sabe alguma coisa? Só os homens sabem! Só os homens
pensam! Só os homens conhecem a verdade! Isto é indiscutível, simples bicho!”
João rapidamente voa para perto da casa de Tadeu já com o
barro nos pés, pronto para demonstrar certa contradição que acabara de ouvir...
Chega tranquilamente, mas em tom de surpresa. Ouve o tempo, vê
a posição das nuvens; sente o vento, a firmeza do tronco e a qualidade de seu
material. Decide, no meio da conversa, construir uma nova casa, pois que a sua começara a apresentar algumas imperfeições e sinais de vulnerabilidade às ações do tempo, que começava a soprar contrário.
Acontece que dias
antes o tal homem havia usado de sua inteligência precisa para acabar com o
problema das folhas que sujavam seu quintal, usando de uma motosserra para
derrubar alguns galhos desnecessários.
João, depois de sentir o movimento da natureza, decide a alguns
passos dali construir sua nova casa, que agora era observada tanto pelo homem
sábio, quanto pelo papagaio Tadeu.
O homem, que acabava de considerar a si mesmo como o único
capaz de criar, observava o trabalho de João com alguma antipatia e desprezo.
– “Para não dizer que vocês nada têm, nada sabem, tem lá as
regalias do próprio instinto, que, afinal, são o máximo de sua sobrevivência!”
Em tom de ironia, o homem começa a citar os exemplos
possíveis de sua imaginação fértil:
“ –Posso medir a quantidade de chuva que cai durante horas!
Fazem isto, passarinhos?!
“– Posso pensar na
probabilidade de chover ou não! Fazeis isto, criaturinhas?!”
Tadeu dizia: “Choverounão!”
“ – Posso inventar uma teoria que explique por que a verdade é em essência, onde
somente os homens mais elevados podem decifrar! Somente os homens mais
elevados! Cheios de razão!”
E Tadeu: “Cheiorazão!”
Enquanto o homem
proferia suas qualidades em forma de discurso, usando a perfeição da linguagem,
conceituando cada detalhe de sua Teoria da Essência da Verdade e usando
exemplos cada vez mais eloquentes, os bichos o ouviam e não ouviam, prestavam e
não prestavam atenção: Estes animais não conseguiam ouvir nenhuma verdade, isto para eles soava como um canto cheio de acaso, que de nada tocava,
nem para conquistar uma parceira, muito menos para manter a dispendiosa harmonia da
natureza.
O homem falou por longas horas. Explicava, exemplificava,
concluía, recomeçava. Contou a história de sua teoria da Verdade e destacou
que, além de só alguns poderem encontrá-la, porque se esconde atrás do aparente,
depois de encontrada ela deve ser validada e valorizada para todos!
Tadeu, como se quisesse não deixá-lo sozinho com as
palavras, repetiu: “Paratodos! Paratodos!”.
Acreditava ele convencer a si mesmo com sua teoria?
Vendo outros bichos rodeando a cena se empolgava e produzia
mais e mais verdade. Aqui já havia
passado um tempo necessário para que João assistisse o discurso de camarote,
aconchegado em seu novo lar, depois de ter trabalhado como um heroico soldado
da natureza. Tadeu já piscava lentamente,
porque o sono já lhe tocava... Os bichos que assistiam ao espetáculo do Homem
da Teoria já se guardavam, pois sentiam que aquela música desafinada que
cantava seus ouvidos já havia saturado suas intuições, e o tempo formava para
chuva.
“– Nem comunicar vocês são capazes!”, repetia o homem em
pensamento...
O homem, grande entendedor das palavras e dos discursos, que
falava por horas e horas não percebeu que a reunião dos bichos tinha um
propósito específico, pois todos estavam debaixo de uma grande árvore volumosa,
que ironicamente protegia da chuva somente os animais que falam pouco, os que
nada sabem, nada entendem, nada surpreendem.
A chuva tocava as folhas grandes onde Tadeu repousava; a
casa de João, já completamente pronta; a cabeça do homem, totalmente descoberta...
Ensopado d’água e de palavras, o homem tenta retornar a sua casa
depressa, maldizendo as aves que agora sentiam a chuva da melhor forma possível,
em um contato ora conflitivo, ora harmonioso com a pequena mata grandiosa. Não entendia ele,
depois de ter total certificação do que dizia, como ainda poderia se perder
naquela pequena trilha, que, aliás, fora desenvolvida por ele mesmo.
Ensopado, ofegante em corpo e mente, o homem se dizia:
“Tenho certeza que a pedra grande deveria estar aqui, ao lado da árvore fina e
sobre o morro de briófitas”... Ironicamente ouvia ele um canto longe, que
lembrava periquitos alegres com o banho de chuva. Em sua cabeça lógica, “sons
de bichos que de nada se comparam à vida humana”.
A racionalidade do homem foi naquele momento interrompida
por um relâmpago forte, que desviou as palavras de sua razão. Virava o pescoço
de um lado para outro, como um pedido de saída; se virava para si e não se via;
se voltava para cima e também não via nada além de pingos gelados misturados
com os clarões...
Estava perdido. O homem, no centro da natureza, não sabia o
que fazia. Seus gritos não foram ouvidos, como o canto dos periquitos; suas
pernas não alcançaram a saída, como as que ajudaram João na construção do lar;
seu pensamento começava a imitar a si mesmo, e já não dizia nada de novo além
de “o que faço agora, o que faço agora?”... Talvez lembrasse de Tadeu nesse
momento...
Quando só garoava e a noite já tinha chegado, o homem se
deitou debaixo de uma enorme seringueira, onde suas raízes salientes lhe
serviram de apoio; onde as folhas grandes caídas lhe serviram de colchão:
Dormiu como um bicho tranquilo...
Ao nascer do dia é incomodado por ganidos, cantos e sons de
vento, nada estranho para a realidade natural. Seu despertar diz:
“Amanheceu,
tenho que sair daqui”, e levanta. Úmido e desacreditado aquele homem tão
falante e claro agora é silêncio, agora é palidez e susto quieto. A natureza lhe tirou, naquelas horas de
educação, chuva e palavras os dons de interpretação, fala e de olhar de descaso
que só nós tínhamos.