segunda-feira, 17 de junho de 2013

Qualquer-coisa-além

A consciência dos inocentes é amarela,
É doce, meiga e ao mesmo tempo sem graça.
A consciência dos inocentes é um avesso do nada,
Mas um ser de cara pálida;
Com uma gargalhada disfarçada;
Que produz um arrepio sem causa...
A consciência dos inocentes é uma atividade bárbara
Porque...
Quem acreditaria que ela se tornou o que é
Pela sua baixeza opaca-e-magra-e-alta-e-fraca?
(...)
A consciência dos inocentes não tem cheiro,
A consciência dos inocentes não tem feito,
A consciência dos inocentes não tem jeito.
E tudo o que disséssemos sobre a “consciência dos inocentes”...
Tudo o que quiséssemos transcorrer sobre a “consciência dos inocentes”,
Não seria mais interessante que um simples título,
Que diz qualquer-coisa-além dos que reproduzem
A consciência dos inocentes...


quarta-feira, 12 de junho de 2013

Os bichos e um homem


(...) Ele disse:  digo a verdade porque detenho o dom das palavras!
E você? Em que acha que sobre mim exerce alguma supremacia? Vocês são bichos, irracionais! Não sabem falar, não sabem criar, não sabem interpretar!

Nesse momento o papagaio Tadeu tentava dizer: “Nãosabemfalar! Nãosabemfalar!”. O eco do bicho alcançava uma volta de olhares, chegando até a casa de João, João de Barro. Este saiu de sua casa, que ainda cheirava a nova, e decidiu ouvir mais atentamente a discussão. E eis que escuta o homem gritando:

– “Vês?! Você não faz outra coisa que repetir, repetir e repetir! Por que acha que sabe alguma coisa? Só os homens sabem! Só os homens pensam! Só os homens conhecem a verdade! Isto é indiscutível, simples bicho!”

João rapidamente voa para perto da casa de Tadeu já com o barro nos pés, pronto para demonstrar certa contradição que acabara de ouvir...
Chega tranquilamente, mas em tom de surpresa. Ouve o tempo, vê a posição das nuvens; sente o vento, a firmeza do tronco e a qualidade de seu material. Decide, no meio da conversa, construir uma nova casa, pois que a sua começara a apresentar algumas imperfeições e sinais de vulnerabilidade às ações do tempo, que começava a soprar contrário.
Acontece que dias antes o tal homem havia usado de sua inteligência precisa para acabar com o problema das folhas que sujavam seu quintal, usando de uma motosserra para derrubar alguns galhos desnecessários.

João, depois de sentir o movimento da natureza, decide a alguns passos dali construir sua nova casa, que agora era observada tanto pelo homem sábio, quanto pelo papagaio Tadeu.
O homem, que acabava de considerar a si mesmo como o único capaz de criar, observava o trabalho de João com alguma antipatia e desprezo.

– “Para não dizer que vocês nada têm, nada sabem, tem lá as regalias do próprio instinto, que, afinal, são o máximo de sua sobrevivência!”

Em tom de ironia, o homem começa a citar os exemplos possíveis de sua imaginação fértil:

“ –Posso medir a quantidade de chuva que cai durante horas! Fazem isto, passarinhos?!
 “– Posso pensar na probabilidade de chover ou não! Fazeis isto, criaturinhas?!”
Tadeu dizia: “Choverounão!
“ – Posso inventar uma teoria que explique por que a verdade é em essência, onde somente os homens mais elevados podem decifrar! Somente os homens mais elevados! Cheios de razão!”

E Tadeu: “Cheiorazão!”                   

Enquanto  o homem proferia suas qualidades em forma de discurso, usando a perfeição da linguagem, conceituando cada detalhe de sua Teoria da Essência da Verdade e usando exemplos cada vez mais eloquentes, os bichos o ouviam e não ouviam, prestavam e não prestavam atenção: Estes animais não conseguiam ouvir nenhuma verdade, isto para eles soava como um canto cheio de acaso, que de nada tocava, nem para conquistar uma parceira, muito menos para manter a dispendiosa harmonia da natureza.
O homem falou por longas horas. Explicava, exemplificava, concluía, recomeçava. Contou a história de sua teoria da Verdade e destacou que, além de só alguns poderem encontrá-la, porque se esconde atrás do aparente, depois de encontrada ela deve ser validada e valorizada para todos!

Tadeu, como se quisesse não deixá-lo sozinho com as palavras, repetiu: “Paratodos! Paratodos!”.

Acreditava ele convencer a si mesmo com sua teoria?

Vendo outros bichos rodeando a cena se empolgava e produzia mais e mais verdade. Aqui já havia passado um tempo necessário para que João assistisse o discurso de camarote, aconchegado em seu novo lar, depois de ter trabalhado como um heroico soldado da natureza. Tadeu  já piscava lentamente, porque o sono já lhe tocava... Os bichos que assistiam ao espetáculo do Homem da Teoria já se guardavam, pois sentiam que aquela música desafinada que cantava seus ouvidos já havia saturado suas intuições, e o tempo formava para chuva.

“– Nem comunicar vocês são capazes!”, repetia o homem em pensamento...

O homem, grande entendedor das palavras e dos discursos, que falava por horas e horas não percebeu que a reunião dos bichos tinha um propósito específico, pois todos estavam debaixo de uma grande árvore volumosa, que ironicamente protegia da chuva somente os animais que falam pouco, os que nada sabem, nada entendem, nada surpreendem.
A chuva tocava as folhas grandes onde Tadeu repousava; a casa de João, já completamente pronta; a cabeça do homem, totalmente descoberta...
Ensopado d’água e de palavras, o homem tenta retornar a sua casa depressa, maldizendo as aves que agora sentiam a chuva da melhor forma possível, em um contato ora conflitivo, ora harmonioso com a pequena mata grandiosa. Não entendia ele, depois de ter total certificação do que dizia, como ainda poderia se perder naquela pequena trilha, que, aliás, fora desenvolvida por ele mesmo.

Ensopado, ofegante em corpo e mente, o homem se dizia: “Tenho certeza que a pedra grande deveria estar aqui, ao lado da árvore fina e sobre o morro de briófitas”... Ironicamente ouvia ele um canto longe, que lembrava periquitos alegres com o banho de chuva. Em sua cabeça lógica, “sons de bichos que de nada se comparam à vida humana”.

A racionalidade do homem foi naquele momento interrompida por um relâmpago forte, que desviou as palavras de sua razão. Virava o pescoço de um lado para outro, como um pedido de saída; se virava para si e não se via; se voltava para cima e também não via nada além de pingos gelados misturados com os clarões...
Estava perdido. O homem, no centro da natureza, não sabia o que fazia. Seus gritos não foram ouvidos, como o canto dos periquitos; suas pernas não alcançaram a saída, como as que ajudaram João na construção do lar; seu pensamento começava a imitar a si mesmo, e já não dizia nada de novo além de “o que faço agora, o que faço agora?”... Talvez lembrasse de Tadeu nesse momento...

Quando só garoava e a noite já tinha chegado, o homem se deitou debaixo de uma enorme seringueira, onde suas raízes salientes lhe serviram de apoio; onde as folhas grandes caídas lhe serviram de colchão: Dormiu como um bicho tranquilo...

Ao nascer do dia é incomodado por ganidos, cantos e sons de vento, nada estranho para a realidade natural. Seu despertar diz: 

“Amanheceu, tenho que sair daqui”, e levanta. Úmido e desacreditado aquele homem tão falante e claro agora é silêncio, agora é palidez e susto quieto.  A natureza lhe tirou, naquelas horas de educação, chuva e palavras os dons de interpretação, fala e de olhar de descaso que só nós tínhamos.