domingo, 18 de agosto de 2013

Homem do Futuro: entre aspas e asco


Ele queria dizer que o mundo está burro, mas dizer isto num ambiente brilhante e progressista não soaria tão bem. Queria dizer também que filósofos, os “muito adiantados do nosso tempo”, quer dizer, excepcionais e observadores ao último perdem lugar e a pose diante dos que, informalmente, sabem melhor fazer e discorrer. Ele ainda continua a querer dizer que o mundo está burro, porque, claramente, ela, a burrice, não nos deixa ver os loucos inteligentes dizerem o que há de mais novo! "O sábio é ainda aquele o qual ninguém consegue entender; aquele o qual todos admiram ao ouvi-lo, mesmo sem uma única gota de desconfiança e receio: o filósofo se tornou um herói dos cinemas, e o que importa, como todo produto, é o final do filme – seguido da repercussão".
“O mundo está muito burro”. Da filosofia ao direito, sem hierarquia ele diz isto, porque não existe mais a tal “hierarquia”. O povo não sabe mais que é ser povo; o cristão não sabe mais o que é ser cristão; o artista não sabe mais o que é artista! “O mundo, hoje, é uma liberdade colorida e, de tão charmosa e reluzente, não diz nada quando quer dizer muito, não faz rir quando em gargalhadas se mostra, não surpreende quando em susto se coloca”. Assim ele disse, com todos os exageros possíveis...
O mundo vê a notícia pelas telas, pelos pixels, pelos nichos. O mundo, que ora fragmentado, ora unido de nada parece oferecer, a não ser ora ignorância em fragmentos, ora ignorância em conjunto. “Que pena nos daria se pudéssemos pensar numa bobeira dessas, não?” Se perguntou triste...
"Dizer que o mundo está burro é burrice! Mas dizer que demos grandes passos para a discussão ou relação homem-natureza, isto sim é inteligente! Isto sim é dizer Sim à Vida! O mundo se reúne num Congresso Da Salvação da Natureza e, que lindo... Teremos boas notícias amanhã nos jornais; teremos boas frases amanhã pela internet afora; teremos suplícios realizados, porque acreditamos neles! 'Amanhã o mundo respirará melhor'. Palmas...", negativou em gestos... Parece que ele queria dizer um pouco mais além de afirmar que o mundo está burro; queria dizer que ele nunca esteve tão bestial quanto hoje! Impossível? "Burrice é uma coisa, bestialidade é outra! Não confunda nossos produtos!" Gargalhou... 
O mundo talvez nunca riu tanto de piadas inconsequentes que graça alguma têm; o mundo nunca sorriu tanto quando a desgraça ou bate à sua porta ou deita já a sua cama; o mundo nunca aceitou tanto do “mais do mesmo” quanto o que hoje reina. O mundo está pior... “E o mundo é o modo como os homens se organizam nele...”. Não sabemos se ele existe (de fato...), mas o que sai de sua possibilidade irrita qualquer ouvido... Ele parece existir enquanto um possível...
“O mundo, então, está burro porque os homens nunca se mostraram tão deficitários!” Os homens, talvez, nunca se mostraram tão adversos aos comportamentos humanos, aos moldes do humano, ao conceito e ao aspecto do animal homem! Prefere ele, hoje, virar algo que ainda não sabe o que é, mas que, em si, já é adjetivado inteligente e novo desde o momento crucial: este é o “homem do futuro”! E não é que ele tem razão quando diz isso...
O homem do futuro, isto é, o hospedeiro da burrice, está pronto para ser vendido pelas vitrines polidas e sedutoras... Aliás, ele custa caro! Nunca a burrice valeu tanto no mundo como vale hoje. “Para se ter ideia, paga-se milhões aos cheios de nada e nada aos engenheiros do espírito do mundo!” O mundo está de mãos na cabeça, girando em sua poltrona nova (e preta), gritando, sorrindo, chorando: tudo ao mesmo tempo! “As cadeiras giratórias pretas estão em promoção, corram! É possível entrar para a história por cento e trinta e nove reais e noventa”. Suspirou e abaixou a cabeça em tom de quase-choro-e-quase-sorriso...
"Sabemos uns dias antes da chuva que vai chover; sabemos alguns dias antes da doença que ela aparecerá; sabemos uns dias antes da rua que perderemos nosso emprego; sabemos antecipadamente o nível, o nome, e os efeitos de um desastre natural; sabemos desde sempre a cor dos olhos de Deus, a língua que mais gosta de falar, o lugar onde mais gosta de ser tocado, o modo como gosta de ser lembrado; sabemos muito sobre a Terra, sobre o mar, sobre as ferramentas que neles usamos, sabemos de cabo a rabo, dóceis e tiranos, ferozes e paisanas o movimento do mundo e o fundo..."
"Sabemos tanto que ofenderia aqueles que lidam com as “microscopisses do mundo” se não citássemos as miudezas que nunca antes foram tão bem percebidas e descobertas; Aliás, éramos mais inteligentes quando conhecíamos como menor parte do mundo o pó da terra?" Denunciou...
"Nós gostamos muito de ser o “homem do futuro”, isto é o que importa! Nós gostamos mesmo é de esquecer essas bobeiras que escrevem por aí, como também gostamos de esquecer daqueles que pincham os muros, as caras e a alma; nós gostamos de não saber sobre o gosto; nós acreditamos em não querer saber; nós conhecemos o que nós é útil, seja visível ou não".
"O mundo está burro, podem jogar as pedras. Não ofendendo, claro, aquele nobre animal que sabe bem dosar suas forças numa tarefa que lhe é lançada; não menosprezando aquele robusto animal, não isso! Este, de cabeça baixa e de orelhas grandes como é falado, vai perder o título de inferioridade daqui uns dias, pois já se pode prever isto...".
É bem provável que sejamos este novo título para designar o deficiente, o deficitário, o incapaz, o bestial, o homem do século XXI... Aliás, Homem do Futuro parece ser bem coerente para esta nova espécie de seres – “Sim! Nova espécie!” –, aliás, por dois grandes motivos: porque vende; porque atende. Não pode se perguntar quem rege quem, isto é coisa do passado! Precisamos saber que se trata de dois grandes motivos, só isso interessa...
Homem do futuro é ótimo, mesmo que seja burro; Homem do Futuro é lindo, mesmo que seja ridículo; Homem do Futuro é perfeito, mesmo que seja o mais despreparado e desajustado possível.” Cortemos nossas-vossas-tuas orelhas? Caminhemos [ainda] mais rapidamente? Ou será que deveremos deixar crescer nossas-vossas-tuas unhas e cabelos diante dessa situação?
“Quanta pergunta errada... Nós somos o Homem do Futuro, viva!” Suspirou pela última vez; desligou a televisão; fechou os livros e os ouvidos. Ele ainda morrerá por não conseguir adaptar-se a essa nova espécie, pois assim caminhamos – “e também rastejamos...” finalizou.


domingo, 4 de agosto de 2013

Fenomenologia Capivaracional dos Espíritos Refletidos - Parte I


Do dia em que as capivaras ficaram famosas não se pensa outra coisa que não seja desfilar. Bandeira nas costas, e na cabeça nada. Quem não se lembra daquela dos anos oitenta... “Com muita coisa na cabeça, mas no bolso nada...”. Engraçado é que hoje o oposto é que canta o anúncio de refrigerante. Que inversão! Mesmo que muita coisa na cabeça não seja exatamente muita coisa na cabeça as capivaras hoje tem dinheiro no bolso; cinco funcionários para bater o ponto amanhã na loja e: Nada na cabeça, muito menos nada na cabeça...
Por que essas capivaras conseguiram as câmeras e nós não? Por que “las vasijas cantam y gritan los hermanos” e nós somos “a minoria arruaceira”? Por que só nós obedecemos o cercadinho, o chiqueirinho que os capachos do Estado realizam? Quanta ofensa! Todos nós sabemos que o Estado é expressão máxima da liberdade...
Não tivemos tempo para pintar a cara de amarelinho, nem de verdinho; não pudemos sair mais cedo do trabalho para comprar uma bandeira de qualidade, que não causasse alergia em nossas costas bronzeadas e em nossas pernas torneadas - e que combinasse com as calças novas! Não conseguimos curtir todos os atos porque tínhamos que acordar cedo, e o carnê chegou aqui em casa, ao contrário do celular cheio de vida e das notícias super rápidas que o pensamento contemporâneo costuma enviar pela internet...
As capivaras tiveram tempo: os pais as deixaram em fila dupla em frente da escola; guardaram o salto no lado do passageiro, colocaram seus tênis confortáveis e foram protestar alguma coisa nas ruas também. Pagaram para um guri cuidar seus carros três quadras abaixo e foram lá cobrar “mais dignidade dos políticos” – as capivaras precisam de cuidados! –, pedir “o fim da corrupção e melhores condições de vida, incluindo melhorias na saúde, educação” e outros elementos que agora compõem o sexto mistério da santa “democratização” do mundo...
As capivaras que conhecem o bom gosto compartilham de bom grado as intenções dos simpatizantes/aspirantes à classe interessante – que, óbvio, não é classe, mas algo como “modo de vida”, “filosofia de vida”, “tendência”, etc. Se pudemos apreender alguma coisa do Movimento Fala Aí! diríamos: a melhor forma de carimbar a ascensão de aspirantes ao modo-interessante-de-vida, aos donos dos saltos é tirando fotos juntinhos, sem bandeiras-outras e sem partidos! As fotos dizem por eles  quer dizer, pelo movimento – como uma síntese: “nós somos a nova sociedade”. Antigamente haveria aplausos, agora são cliques e mais cliques, ecoando na alma virtual tal slogan...
O suor de alguns escorria pelos brincos de dezoito e relógios Tissot. O milagre da fusão dos espíritos acontece em praça pública. Que milagre que nada, processo dialético! E eu que até jurava que aquilo tudo... 
Quando se vê a massa nas ruas é de arrepiar, não se tem dúvida. Mas quando se atenta os olhos para mais perto e o arrepio se transforma em um sentimento-de-não-saber o susto se desmancha; o suor vira água parada; a massa para de crescer... O vocabulário das capivaras tem o mesmo som de um bocejo:  faz “aahhhhh”, e só. Eu jurava que quando ouvia alguém falar que um gigante acordava era só uma metáfora... Mas não! O tal gigante estava mesmo dormindo, não se sabe em qual grau  de sono e quando despertou; nem se gigante sabia que era.
Imaginem só um gigante de mãos dadas com os policiais, numa quase ciranda de roda (desculpem-me, num movimento de adaptação do espírito) com a cara toda pintada, com adornos para todo lado, sorrindo e falando ao celular com a mamãe: “Mamãe! Vem prá cá... Tratam a gente super bem! Você estava certa mamãe, com respeito a gente consegue tudo!”, e dobrava-se o celular estampado com uma bandeira do Reino Unido.
Lembro também – agora que estamos mais perto do hoje – que algumas bandeiras foram compradas bem baratinho: alguns bolivianos desempregados tanto aqui como lá se saíram muito bem. “Com o dinheiro das bandeiras brasileiras dá até prá comprar bandeiras bolivianas e sair pras ruas também!”, disseram eles, seriamente! Nesse ciclo interessante são os argentinos os mais audaciosos: para acabar com esse movimento bandeirístico-passeático eles batem panelas! As capivaras são muito criativas... Só depende dos meios de elevação e das próprias representações que O Vale de Lágrimas produz... 
E lá, como se tem mais protestos que Jornal Nacional e menos presidente como sacerdote; mais militantes do que mílites, as panelas são recicladas nos próprios movimentos, passadas de pais para filhos, ao contrário das garrafinhas milagrosas e das revistas das missões, que por aqui são despejadas, ora gratuita, ora violentamente comercializáveis. Lá, talvez, a dialética esteja em nível avançado, até porque já é sustentável! Dialética Sustentável: unindo o útil ao conservável. E batem panelas...
Ora, quando os espíritos alcançam um espelho que nunca haviam cogitado que poderiam nele se ver, eles se machucam de tanto prazer. Esses espíritos capivaracionais, quando formam uma imagem para si disso que em si se mostra, gritam agônica e arritmadamente: a surpresa de ser aquilo que o espelho era em  si produz neles uma “vontade de rua”, uma “energia da voz única”, um “sentimento de crescimento e prosperidade”. Que tal chamar esse movimento de Fenomenologia capivaracional dos espíritos refletidos?
É certo que nós somos um país de grandes iniciativas, a começar com a privada! Uma nação onde o espírito presente na sociedade civil realiza muito bem o direito natural. Nós éramos um país em pleno desenvolvimento, cheio de vontade e planejamento para um fortalecimento político-econômico... Até que o gigante, todo enfeitado, começou a bambolear pelas ruas, fazendo gracinha. Tinha ele que continuar a dormir ou era mesmo hora de acordar? Perguntaram os inteligentes. Será que ele pode dormir de novo? Perguntam os curiosos... O último desdobramento aponta para esta: "Com ou sem bandeiras desfilantes, é possível frear o meta-movimento que antecede às capivaras, isto é, cobrir o espelho?" Enfim, as energias de um gigante precisam ser repostas com comidas respeitáveis, bons cremes e sucos naturais! “Da pele até a alma nós pedimos qualidade!”, disse a representação do gigante...
Que gigante educado nós somos, aliás! Lembro como se fosse agora que quando ele dançava nas ruas e tremia muito, colocava as mãos na boca e, tímido, pedia desculpas. Dizia que ia dançar sem barulho, para não incomodar os vizinhos... E com todos esses dados e esses doces dá até para pensar  se com o tempo livre que as capivaras tem para pensar sobre qualquer coisa – nos intervalos do pilates ou no movimento de negação-da-aula-de-francês-na-quarta-feira – elas não queriam inovar criando uma história de um gigante enfeitado e educado que fosse pras ruas dançar e fazer bonito.  É possível desconfiar que essa história venha ganhar as prateleiras com um livro de capa verde e amarela; bandeiras prá cima; testas pintadas; título em caixa alta e muito respeito e coragem no Prefácio, contraditoriamente. Mas todos nós sabemos que o movimento do espírito é por si mesmo contraditório, magnífico...
Bom, é preferível não mais falar das capivaras, do gigante e de todas as categorias da Fenomenologia, visto o sentimento de antítese que paira entre (alguns de) nós. Dizem que nem todas as dissertações são descritivas. Diz-se o mesmo de alguns movimentos fenomenológicos! Afinal, o que interessa é que já se divertiram e até ganharam uma “base teórica” – o que as irritaria! – só para garantir o seu feitio no período das festas junina e julhina, coincidentemente.
Mas enquanto o gigante desfaz a maquiagem e põe seu pijaminha verde e amarelo (ele adorou essa roupa!) agora começa timidamente o movimento consciente do animal-homem: melhor tímido e com certo sentimento de vingança que espalhafatosamente fazer do processo um espetáculo de circo! 
Preocupado com suas contas e com a carga horária irracional à qual está submetido, o animal-homem começa a usar seu tempo não para criar “revolução semântica” nem figurino “mais atual”; não para levantar ninguém adormecido ou bandeira-única-que-não-é-bandeira. Começa a usar seu tempo, que sabe e sente que nem é seu, para fazer política anti-ciranda
Obrigado animal-homem por colocar o gigante para dormir, mesmo que o sono demore a vir. Afinal, um gigante extenuado pode causar um acidente horrível se cair por cima das pessoas. Parece que já era hora de cobrir esse espelho ilusório. Quando cobrir o tal espelho, lembre de cuidar do menino que cuidou os carros! Ele pode ser pisoteado pelo gigante enfeitado, que, aliás, só costuma olhar  para suas próprias unhas e adornos, além, é claro, de bem cuidar sua bandeira nova para que não venha desfiar ou perder a cor. Aliás, usem-na de cobertor, os dias frios são muito mais violentos que antigamente...