quinta-feira, 26 de setembro de 2013

r.e.t.e.s.i.a.


A palavra me corroeu a boca,

Sedenta e faminta.

A palavra me provocou quando disse seu nome.

“Qual é a tua?”

E eu disse: eu não tenho.

Por que perguntas, eu disse.

Ela emudeceu.

Esqueci que ela pode dizer silêncio.

A palavra me enfrentou e levou a melhor.

Virou as costas pra mim, orgulhosa.

Riu da minha cara e desdenhou dos meus dedos e de minha boca marcada...

Palavra.

Pau na palavra!

Nada.

Brincou comigo e consigo, e ela pode...

Mas não consigo nem que se fosse possível

Dizer o que ela me disse quando tentei dizer.

Eterna amiga inimiga...

Eterna.

Interna.

Silêncio!


Simples palavra.

quarta-feira, 18 de setembro de 2013

Fenomenologia capivaracional dos espíritos refletidos – Parte II


Quando o gigante é colocado em seus aposentos confortáveis, o sono chega logo. Acontece que o lugar onde foi delicadamente posto não lhe permite o sono: tudo é muito claro, e os ruídos dos vizinhos... Eles não perdoam...
Além dos ruídos e da claridade, o gigante sente uma necessidade enorme de se manter acordado. E esse aspecto é muito interessante! O gigante não compreende por que o animal-homem não precisa “produzir necessidade de vigília”. O gigante – enquanto retoca a maquiagem – não entende por que o animal-homem usa de meios tão cruéis para desafiar qualquer tentativa de espelho... O gigante não consegue pensar, de maneira alguma, por que o animal-homem prefere atuar como animal furioso (como lhe é natural e necessário) em vez de desfilar e cantarolar harmoniosamente (refletindo bondade e honestidade) pelas belas ruas da cidade – “que estão horríveis!”.
Necessidade de se manter acordado...  Necessidade de vigília... Por incrível que possa parecer, o estado de vigília, de percepção, não é no sentido capivaracional nada de consciente. No âmbito dos reflexos de bondade, honestidade e justiça, os espíritos capivaracionais atuam de um modo peculiar. Como seu estado de vigília é na verdade uma “necessidade de vigília”, o estar acordado é sempre uma tortura, um incômodo: na verdade é uma falsa vigília. O movimento que idealiza é em si uma realidade: para o gigante, desfilar é sempre uma necessidade para que o movimento dialético capivaracional chegue a um nível tal que não precise mais de “necessidade de”. É bem certo que a representação capivaracional nunca tenha se aproximado de nenhuma vertente científica, seja do ponto de vista biológico, seja sociológico ou antropológico... Em seu estado de necessidade de vigília o gigante não cogita, sequer, que suas práticas são concretizações do âmbito científico – ironicamente...
A fenomenologia capivaracional também tem seus desdobramentos dessabidos...  Em termos fenomenológicos-capivaracionais, nem sempre o processo de ascensão do espírito capivaracional pode ser percebido, mesmo que efetivamente esteja acontecendo no plano do espelho. É por isso que as capivaras atuantes nem sempre sabem que pertencem a um movimento, mesmo que tentem negar todas as formas de “movimento”, “partido” ou “despartido”. Consequentemente, não só a necessidade de vigília vem à tona como um fato, como também [vem à tona como um fato] a contradição existente entre os espíritos refletidos que em momento algum exercem a capacidade de reflexão.
Não conseguindo dormir e cansado de mudar o corte de cabelo e a cor das unhas, o gigante começa a ganhar fama por sua característica peculiar tripartite: Bondade; Honestidade; Justiça. Ele está ganhando muitos microfones com essas três palavrinhas mágicas...
Esses dias ele subiu ao palco. Sim! Subiu ao palco. Neste dia estava com a bandeira verde e amarela ao avesso, dizia que era para expressar o ódio que estava sentindo “com toda essa desonestidade e injustiça que paira nessa nação”. Segurando o microfone levemente, com pose e jeito que só ele tem, proferiu em tom ameno para não desafinar, logo depois de limpar levemente a garganta, com um ruído quase inaudível:

Nossa democracia está se libertando de todas as amarras. Mas ainda estamos muito distantes de onde precisamos chegar. Temos que ter certeza de que a Ficha Limpa vai se enraizar em nossa cultura política. Temos que nos livrar de políticos corruptos em todo e qualquer cargo. Precisamos escancarar as portas de todas as esferas do governo para que a democracia não fique escondida do cidadão.

Nesse momento, com uma das mãos na cintura e uma perna em descanso, o gigante fazia leves movimentos com o microfone na outra mão, como se tivesse brincando com o objeto reprodutor de som:

Nossos oponentes têm muito dinheiro, são poderosos e até mesmo corruptos. Para vencê-los precisamos nos unir, e obter milhares de pequenas doações de cada um de nós para construir um movimento maior, mais forte e inteligente. 

Aplausos foram ouvidos; abraços misericordiosos foram distribuídos; sorrisos foram trocados ao mesmo tempo em que os dedos apontavam para o gigante: A cara da nação.
 O gigante está muito ansioso. A necessidade de vigília cria no espírito uma euforiazinha. Nesta euforiazinha, cinco elementos constituem a “mentalidade do gigante”: i) democracia e libertação; ii) enraizamento da honestidade; iii) isolamento da injustiça e da corrupção; iv) união para o bem e v) volume, força e inteligência.
Tais elementos consolidam a fórmula-chão do gigante, mesmo que ele ainda não saiba que pisa em terra firme. Os cientistas da sociedade cuidarão de ora separar, ora sincronizar cada um destes em prol do melhor argumento, o que justificará, além dos próprios cinco elementos, a grandeza e a necessidade de um gigante alegre em nossos-dias-atuais. Os passos longos já foram dados, cabe a nós destrinchar cada conceito minúsculo que fica entre cada pegada, afinal, para quê o animal-homem serviria senão para a total vigilância dos passos largos e incalculados?

sexta-feira, 13 de setembro de 2013

Prefácio ao Homem do Futuro

Brancos, negros, raças, não existem na natureza, como montanhas, penhascos, lagos e rios; denominações raciais são invenções políticas. Assim disse Demetrio Magnoli, O sociólogo. Quem disse que cientistas também não brincam com a linguagem? Assim eu disse.

Um tal Fernando, tal pessoa, disse uma vez que “Viver não é necessário, é necessário criar”.O contexto de Fernando fez a sua pessoa, e a sua criação interpretou o mundo. Existe ordem nestas palavras ou as ações é que organizam praticamente a sua criação?
Este é um discurso morto, deitado e calado em palavras escritas... Mas o que é o mundo tecnológico senão o-mundo-amontoado-de-significados?
Somos poetas e filósofos, cientistas e religiosos; gravando nas pedras, nas telas ou nos corações as mensagens da vida. Que mensagens são essas? Qual a sua importância?
Mimeses históricas que se lançam sobre nós... Ou seria o contrário? Nós lançamos as eficácias da História?
A capacidade do mundo se chama tecnologia, e a mente do homem ainda não sabe o que é. Quem é o mundo, o homem? Somos cérebros on-line, imersos na informação dos outros e do tempo. Vivemos o tempo dos outros em tempo real. Nada mais “poético” que palavras sem sentido... “Vivemos o tempo dos outros em tempo real”. E se faz verdade.
A divindade da informação tem dois lados: o útil e o inútil. Ora ateus, ora crentes; assim estamos diante do nosso produto: “Que assim seja ou que assim não seja”...
 Somos produtos de nós mesmos? Somos palavras de nós mesmos ou somos simplesmente “nós” atados? Nesta constante busca da vida é possível ver algum tom de “eu”? Como consigo comprá-lo?
O poder da busca e da eficácia nos direciona ao desconhecido à medida que queremos conhecer mais e mais. Mas, o quê? “Prá onde vamos?”, perguntam filósofos, cientistas, religiosos e crianças, enquanto nós perguntamos, “por que deveríamos ir?”...
Perguntam aos oráculos, sejam eles quais forem, sobre o tal destino; sobre as nossas necessidades; sobre as nossas intenções: o que querem os homens se o que almejam em essência não está ao seu alcance? O tempo real parece não ser tão real assim...
Que problema queremos resolver além da necessidade inescrupulosa de criar problemas? Buscamos uma eterna busca, ironicamente, ou seria este um discurso daquele que assiste do camarote da vida, sob os lençóis limpos de um quarto privilegiado as forças opostas do mundo?
Nossos excessos de estímulo estão cada vez mais aflorados... Nossa atenção cada vez mais dispersa. Nós não conseguimos dizer sentimentos e ao mesmo tempo só conseguimos dizer sentimentos... O que é este homem atual? Ainda homem? Por que homem?
A informação de nós mesmos não corre mais a cavalo, pelas estradas cruas e nuas, pelas guerras sujas e descaradas; voa por cliques e por cliques nos transforma. O conhecimento do mundo não está mais n’A maior biblioteca do mundo, que pôde ser destruída... Evoluímos! Não destruímos mais como antes, aprendemos a destruir de outros modos, sem prejuízos físicos...
Podemos ainda pensar o futuro sabendo que o próprio futuro já está atrasado? Aliás, aquilo que estava à procura já encontrei; aquele que procurava já achei, já enviei minhas saudades e já procuro por querer distância. Estamos a um clique do futuro, que ironicamente já está em nós, é parte de nós...
O futuro não tem mais corpo, e por que deveria ter? A vida é regida pelas possibilidades de coisas na alma, como dizem. E a alma não é mais “a realização dos corpos, da matéria”. Em outros sentimentos, “o corpo não mais possibilita a alma”, porque o corpo está entranhado na rede, na rede que representa os corpos, mas que não os responsabiliza pela sua realidade.
Muitas escolhas formam a escolha. Regra básica que aprendemos a nos condicionar... O mais buscado é o melhor; o menos acessado é o pior; o mais rápido é o mais eficaz. A mimese na história tem suas variações... Desmedidas variações... Poderíamos perguntar pelo valor da informação ou é ela quem pergunta sobre o nosso atual valor de mostrar informação?
Fim de texto, fim de papo, um rastro. Estas palavras já fazem parte do passado.