Quando o
gigante é colocado em seus aposentos confortáveis, o sono chega logo. Acontece
que o lugar onde foi delicadamente posto não lhe permite o sono: tudo é muito
claro, e os ruídos dos vizinhos... Eles não perdoam...
Além dos ruídos
e da claridade, o gigante sente uma necessidade enorme de se manter acordado. E
esse aspecto é muito interessante! O gigante não compreende por que o
animal-homem não precisa “produzir necessidade de vigília”. O gigante –
enquanto retoca a maquiagem – não entende por que o animal-homem usa de meios
tão cruéis para desafiar qualquer tentativa de espelho... O gigante não
consegue pensar, de maneira alguma, por que o animal-homem prefere atuar como
animal furioso (como lhe é natural e necessário) em vez de desfilar e
cantarolar harmoniosamente (refletindo bondade e honestidade) pelas belas ruas
da cidade – “que estão horríveis!”.
Necessidade de
se manter acordado... Necessidade de
vigília... Por incrível que possa parecer, o estado de vigília, de percepção,
não é no sentido capivaracional nada de consciente. No âmbito dos reflexos de
bondade, honestidade e justiça, os espíritos capivaracionais atuam de um modo
peculiar. Como seu estado de vigília é na verdade uma “necessidade de vigília”,
o estar acordado é sempre uma tortura,
um incômodo: na verdade é uma falsa vigília. O movimento que idealiza é em si
uma realidade: para o gigante, desfilar é sempre uma necessidade para que o
movimento dialético capivaracional chegue a um nível tal que não precise mais
de “necessidade de”. É bem certo que a representação capivaracional nunca tenha
se aproximado de nenhuma vertente científica, seja do ponto de vista biológico,
seja sociológico ou antropológico... Em seu estado de necessidade de vigília o gigante não cogita, sequer, que suas
práticas são concretizações do âmbito científico – ironicamente...
A fenomenologia
capivaracional também tem seus desdobramentos dessabidos... Em termos fenomenológicos-capivaracionais,
nem sempre o processo de ascensão do espírito capivaracional pode ser
percebido, mesmo que efetivamente esteja acontecendo no plano do espelho. É por
isso que as capivaras atuantes nem sempre sabem que pertencem a um movimento,
mesmo que tentem negar todas as formas de “movimento”, “partido” ou
“despartido”. Consequentemente, não só a necessidade de vigília vem à tona como
um fato, como também [vem à tona como um fato] a contradição existente entre os
espíritos refletidos que em momento algum exercem a capacidade de reflexão.
Não conseguindo
dormir e cansado de mudar o corte de cabelo e a cor das unhas, o gigante começa
a ganhar fama por sua característica peculiar tripartite: Bondade; Honestidade;
Justiça. Ele está ganhando muitos microfones com essas três palavrinhas
mágicas...
Esses dias ele
subiu ao palco. Sim! Subiu ao palco. Neste dia estava com a bandeira verde e
amarela ao avesso, dizia que era para expressar o ódio que estava sentindo “com
toda essa desonestidade e injustiça que paira nessa nação”. Segurando o
microfone levemente, com pose e jeito que só ele tem, proferiu em tom ameno
para não desafinar, logo depois de limpar levemente a garganta, com um ruído
quase inaudível:
Nossa democracia está se libertando de
todas as amarras. Mas ainda estamos muito distantes de onde precisamos chegar.
Temos que ter certeza de que a Ficha Limpa vai se enraizar em nossa cultura
política. Temos que nos livrar de políticos corruptos em todo e qualquer cargo.
Precisamos escancarar as portas de todas as esferas do governo para que a
democracia não fique escondida do cidadão.
Nesse momento,
com uma das mãos na cintura e uma perna em descanso, o gigante fazia leves
movimentos com o microfone na outra mão, como se tivesse brincando com o objeto
reprodutor de som:
Nossos oponentes têm muito dinheiro, são poderosos e até mesmo corruptos. Para vencê-los precisamos nos unir, e obter milhares de pequenas doações de cada um de nós para construir um movimento maior, mais forte e inteligente.
Aplausos foram ouvidos; abraços
misericordiosos foram distribuídos; sorrisos foram trocados ao mesmo tempo em
que os dedos apontavam para o gigante: A cara da nação.
O gigante está muito ansioso. A necessidade de
vigília cria no espírito uma euforiazinha. Nesta euforiazinha, cinco elementos
constituem a “mentalidade do gigante”: i) democracia e libertação; ii)
enraizamento da honestidade; iii) isolamento da injustiça e da corrupção; iv) união
para o bem e v) volume, força e inteligência.
Tais elementos
consolidam a fórmula-chão do gigante, mesmo que ele ainda não saiba que pisa em
terra firme. Os cientistas da sociedade cuidarão de ora separar, ora
sincronizar cada um destes em prol do melhor argumento, o que justificará, além
dos próprios cinco elementos, a grandeza e a necessidade de um gigante alegre
em nossos-dias-atuais. Os passos longos já foram dados, cabe a nós destrinchar
cada conceito minúsculo que fica entre cada pegada, afinal, para quê o
animal-homem serviria senão para a total vigilância dos passos largos e
incalculados?
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