quarta-feira, 18 de setembro de 2013

Fenomenologia capivaracional dos espíritos refletidos – Parte II


Quando o gigante é colocado em seus aposentos confortáveis, o sono chega logo. Acontece que o lugar onde foi delicadamente posto não lhe permite o sono: tudo é muito claro, e os ruídos dos vizinhos... Eles não perdoam...
Além dos ruídos e da claridade, o gigante sente uma necessidade enorme de se manter acordado. E esse aspecto é muito interessante! O gigante não compreende por que o animal-homem não precisa “produzir necessidade de vigília”. O gigante – enquanto retoca a maquiagem – não entende por que o animal-homem usa de meios tão cruéis para desafiar qualquer tentativa de espelho... O gigante não consegue pensar, de maneira alguma, por que o animal-homem prefere atuar como animal furioso (como lhe é natural e necessário) em vez de desfilar e cantarolar harmoniosamente (refletindo bondade e honestidade) pelas belas ruas da cidade – “que estão horríveis!”.
Necessidade de se manter acordado...  Necessidade de vigília... Por incrível que possa parecer, o estado de vigília, de percepção, não é no sentido capivaracional nada de consciente. No âmbito dos reflexos de bondade, honestidade e justiça, os espíritos capivaracionais atuam de um modo peculiar. Como seu estado de vigília é na verdade uma “necessidade de vigília”, o estar acordado é sempre uma tortura, um incômodo: na verdade é uma falsa vigília. O movimento que idealiza é em si uma realidade: para o gigante, desfilar é sempre uma necessidade para que o movimento dialético capivaracional chegue a um nível tal que não precise mais de “necessidade de”. É bem certo que a representação capivaracional nunca tenha se aproximado de nenhuma vertente científica, seja do ponto de vista biológico, seja sociológico ou antropológico... Em seu estado de necessidade de vigília o gigante não cogita, sequer, que suas práticas são concretizações do âmbito científico – ironicamente...
A fenomenologia capivaracional também tem seus desdobramentos dessabidos...  Em termos fenomenológicos-capivaracionais, nem sempre o processo de ascensão do espírito capivaracional pode ser percebido, mesmo que efetivamente esteja acontecendo no plano do espelho. É por isso que as capivaras atuantes nem sempre sabem que pertencem a um movimento, mesmo que tentem negar todas as formas de “movimento”, “partido” ou “despartido”. Consequentemente, não só a necessidade de vigília vem à tona como um fato, como também [vem à tona como um fato] a contradição existente entre os espíritos refletidos que em momento algum exercem a capacidade de reflexão.
Não conseguindo dormir e cansado de mudar o corte de cabelo e a cor das unhas, o gigante começa a ganhar fama por sua característica peculiar tripartite: Bondade; Honestidade; Justiça. Ele está ganhando muitos microfones com essas três palavrinhas mágicas...
Esses dias ele subiu ao palco. Sim! Subiu ao palco. Neste dia estava com a bandeira verde e amarela ao avesso, dizia que era para expressar o ódio que estava sentindo “com toda essa desonestidade e injustiça que paira nessa nação”. Segurando o microfone levemente, com pose e jeito que só ele tem, proferiu em tom ameno para não desafinar, logo depois de limpar levemente a garganta, com um ruído quase inaudível:

Nossa democracia está se libertando de todas as amarras. Mas ainda estamos muito distantes de onde precisamos chegar. Temos que ter certeza de que a Ficha Limpa vai se enraizar em nossa cultura política. Temos que nos livrar de políticos corruptos em todo e qualquer cargo. Precisamos escancarar as portas de todas as esferas do governo para que a democracia não fique escondida do cidadão.

Nesse momento, com uma das mãos na cintura e uma perna em descanso, o gigante fazia leves movimentos com o microfone na outra mão, como se tivesse brincando com o objeto reprodutor de som:

Nossos oponentes têm muito dinheiro, são poderosos e até mesmo corruptos. Para vencê-los precisamos nos unir, e obter milhares de pequenas doações de cada um de nós para construir um movimento maior, mais forte e inteligente. 

Aplausos foram ouvidos; abraços misericordiosos foram distribuídos; sorrisos foram trocados ao mesmo tempo em que os dedos apontavam para o gigante: A cara da nação.
 O gigante está muito ansioso. A necessidade de vigília cria no espírito uma euforiazinha. Nesta euforiazinha, cinco elementos constituem a “mentalidade do gigante”: i) democracia e libertação; ii) enraizamento da honestidade; iii) isolamento da injustiça e da corrupção; iv) união para o bem e v) volume, força e inteligência.
Tais elementos consolidam a fórmula-chão do gigante, mesmo que ele ainda não saiba que pisa em terra firme. Os cientistas da sociedade cuidarão de ora separar, ora sincronizar cada um destes em prol do melhor argumento, o que justificará, além dos próprios cinco elementos, a grandeza e a necessidade de um gigante alegre em nossos-dias-atuais. Os passos longos já foram dados, cabe a nós destrinchar cada conceito minúsculo que fica entre cada pegada, afinal, para quê o animal-homem serviria senão para a total vigilância dos passos largos e incalculados?

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