terça-feira, 26 de março de 2013

"Capacita-se um tal singular"


Como pode haver um tal singular capaz de querer voltar lá para dentro?

A saída é necessária, mas não é universal. Conhece-se a luz, o ar puro e o céu azul e calmo. A esta altura os olhos que se vão para trás querem e não querem voltar: Como pode haver um tal singular capaz de querer voltar lá prá dentro?

Lá fora tudo está perfeito. Lá em cima não há mais o descuido de deixar cair a pedra, pois o empurrar e o escorregar da pedra só tem um meio: o descuido. E tendo nós chegado ao harmonioso cuidado das coisas no mundo e de nós, como pode haver um tal singular capaz de querer voltar lá prá dentro?

O ar luminoso que bate na cara do sujeito que se lançou para fora não é o mesmo ar daquele sujeito que respira sombras e tem sede e inveja do nosso ar e da nossa cara que sente o ar luminoso. Lá dentro  é impossível qualquer dizer sem pontuação. Lá dentro, aliás, eles são os pontos. E a tal ponto se pergunta: Como pode haver um tal singular capaz de querer voltar lá prá dentro?

Aqui fora se ouve os gemidos e os arranhões nas paredes que sofrem. Dá para ver o sentido do mundo querendo e não podendo. Dá para ouvir as barrigas e as cabeças vazias solapando a vontade do mundo. Solapando em mínimos resultados... Como pode haver um tal singular capaz de querer voltar lá prá dentro?

Aprende-se, aqui-fora e à luz da vontade do mundo que se tornou nossa amiga, que o apagado daquele leito deitado, que sob traços rasos se contentam com o pó e cegueira natos, não poderia ser mantido nem apropriado como uma condição digna, muito menos como um fato. “É uma escuridão passageira que logo ascenderá, porque a vontade do mundo, talvez, quererá mudar de ideia”. E se a vontade do mundo não quiser mudar de ideia, como pode haver um tal singular capaz de querer voltar lá prá dentro?

Sete vezes perguntado e ainda indignado... Como pode haver um tal singular capaz de querer voltar lá prá dentro?





segunda-feira, 18 de março de 2013

“Suspeita: jovem é acusado de cometer fato jornalístico”


É certo que por aqui nem suspeita nem fato são verdadeiros. Mas, daqui de cima, ouve-se todos os dias que o que é suspeito é fato e o que é fato deve ser superado. Valiosas notícias... Nossos filhos e nossos pais aprendem num simples minuto a realidade do real e a simplicidade do mundo.
Como num teatro lotado e com milhares de pessoas vidradas nas telas do susto, o espetáculo das hipóteses verdadeiras é tido como uma peça sem igual. E eles aplaudem... Estaríamos nós exauridos dessa vontade-de-valiosas-notícias, ou são eles os exauridos de si mesmos? Ainda é cedo para responder. Entretanto, não existindo mais o “ainda é cedo” podemos afirmar que a suspeita é verídica, afinal, se é notícia é, em si, um fato.
O fato, para nós, não seria tão simples e reprodutivo assim como o espetáculo quer. O fato é um trabalho árduo, suado, neuronizado se diria, que marca um percurso em prol de um possível progresso. Entretanto, sequer quer ele entreter e vislumbrar os olhos do ouvinte; sequer quer ele dar um leve-tapa-de-amigo nas costas daquele que se presta. O fato é muito mais inimigo que melhor amigo e a suspeita é muito mais demoníaca que angelical. E sendo assim, como se poderia admitir, nos espetáculos atuais, uma sincronia tão fantasiosa entre suspeita e fato na nossa missa diária, o jornal?
A suspeita não é mais suspeita e o fato é uma simples contingência. E dito assim, nem mesmo função e método se consegue ver – e em termos de outra corrente, nenhuma beleza se pode perceber nessas encenações desprezíveis. Mas existem os tais elementos, é que eles são, agora, pintados de cores ainda não muito “visualizáveis”... "A nova tendência" chega ao noticiário nosso de cada dia e se presta como um novo atributo de adequação: dizer o que se quer ouvir para se vender o que se deve vender. O que se quereria ouvir num espetáculo? O que se quereria vender num teatro? Ironicamente, se aguardássemos os fatos teríamos apenas suspeitas...
“A suspeita de que o bandido tenha matado sua mãe logo depois de brigar com a esposa” não se distingue “do fato de o bandido ter matado sua mãe logo depois de brigar com a esposa”. Ouvirão ainda falar em psiquismo da relação, mas ainda é muito cedo para dar esta notícia – "Título Psiquismo da Relação  vaza na internet: pesquisadores apontam o título como uma corrente freudiana".
O importante é que do fenômeno ao sujeito se tem, hoje, uma ventania, algo tão catastrófico como o movimento das placas tectônicas nos cérebros contemporâneos, ou se quiserem, A sísmica do pensamento, como “daria na capa”.
A ventania é como aquele gênio maligno, mas sua intenção foi comprada. Não existe como uma tensão justa e que enfrenta o perfeito e o harmônico heroicamente, mas aparece à frente quando é interessante aparecer, apelativa; ela se noticia. Interessante, talvez seja esse o nome da ventania, que, aliás, “pode atingir do sul do país até o litoral nordestino”.
O interessante vende não porque é rica a informação, mas porque enriquece a informação à medida que mantém sua própria venda: “Vende-se ventania! (Desde que não se perceba tal!)”. Será que o dono do teatro tem uma fascinação pelo medo e pela situação trágica? As suspeitas aumentam a cada dia – e “suspeitas aumentando” significa extrapolar a verdade da verdade! Mas isso vale! "Suspeitas aumentando!". Verdade sendo espalhada: o dono do teatro é dono do Fado.
Aliás, e contudo, o dono do teatro é interessante (no sentido da sua venda), produz o medo na política e na ética, no corpo e no espírito, mas nele mesmo parece não haver nenhum sopro intermediário, não é mesmo? O dono do teatro não sofre de nenhuma “crise de ventania entre sujeito e objeto”. 
Certo é que nenhum desses fatos será notícia amanhã; e, quanto à suspeita, bom, isto já está comprovado.

sexta-feira, 1 de março de 2013

Boa Noite


– “Mãe! O quê que reza depois do ‘Pai Nosso’?”
 – “ ‘Que estás na terra’, filha...”.

Pai nosso que estás na terra,
Valorizado seja o teu nome.
Venha a nós o teu salário.
Seja feita a minha vontade,
Assim no sonho quanto na realidade.
O suor nosso de cada dia que não caiu dos céus
Perdoe a minha ignorância (e da mamãe também)
Assim como eu perdoo a sua exploração
E não me deixe desrespeitar e apelar aos outros
E, se assim o fizer, entenderei o que seja bom e justo.
Que assim seja.

– “Mãe! Tem que rezar de novo?”
“Não, filha..." 
– "Então agora reza o que?
– ‘Mãe nossa’?!”
– “É, filha...”.
–“Que serve comida na mesa’?”.
 –“É filha... já é tarde! Vá dormir!”.