Existem muitas salinhas
por aí afora... Beija-flores, computadores pretos e cidadãos rodeiam as nossas
vidas. Mas, em que momento e por quais motivos esses elementos nos afetam?
Era uma segunda-feira, e isto já
diz muita coisa. A delegacia estava vazia, uma espécie de secretário que sentava na sua cadeira e na sua carreira lia as grandes notícias da manhã pelo
correio eletrônico, enquanto o cidadão lia sua disposição mecânica através da
janelinha que lhe foi proposta.
A vontade na gaveta, a educação
no coldre e as expectativas no “Bom Dia” do delegado, que soara como um
“Faça-se a luz!” enquanto passava com seus óculos escuros e seu terno impecável... A delegacia é uma vida quieta, que só se fala quando os
personagens não usam preto.
Diriam os mais entendidos: “Esse
ambiente, a delegacia, não é nem um pouco quieto; é repleto de casos e casos
onde nós, os conhecedores do cumprimento,
temos que nos desdobrar em mil para solucionar os problemas dos que não sabem
viver e conviver” – e isto é escutado por cada cidadão que espera na salinha para ser atendido, enquanto lê
as placas de “proibido fazer isto e aquilo”, “nem pense em fazer isto, prisão
certa!”. A afirmação dos entendidos, contudo, contém em si uma dissensão cinza,
mesmo sabendo que as placas de aviso e medidas são mais ofensivas que qualquer atitude delinquente... Placas de lado e olhares
abaixo, continuemos...
Enquanto o cidadão aguardava as
conversas do domingo terminarem, pois os funcionários do Estado têm o direito
de perder o tempo que quiserem com seus esplêndidos assuntos, um beija-flor adentra
à delegacia. Por ironia, a delegacia tinha o limite dos espaços com vidros
transparentes acima e ao redor da porta. O beija-flor, assim como os cidadãos,
aguardava o fim daquela tortura: o pequeno pássaro querendo sair da cela se
debatendo; os cidadãos querendo entender a postura policial, além de
afligirem-se diante dos gemidos de um preso lá dentro. Ao contrário do
beija-flor, que nesta altura (e por esta altura) já estava cansado de querer
encontrar a saída para o mundo, os funcionários do Estado estavam com a saída para
o mundo nas mãos, aliás, no sistema do computador preto.
Enquanto o pássaro se debatia,
um policial lá dentro batia e o cidadão, ignorante
e burro apenas observava todo aquele drama da vida real. A grande solução
do mundo, o sistema que serve os
funcionários servidores, ironicamente “saiu do ar” (e quem dera tivesse
acontecido isso com o pobre beija-flor...). Mas ainda bem que, como se sabe, os
policiais são muito companheiros (para com seus semelhantes) e logo foi desferido
pedido de ajuda ao colega:
“ – Estava usando normalmente e
parou de funcionar. Se bem que essa máquina não tá prestando prá nada”. Disse
sério e cheio de certeza, como um bom policial...
O colega soluciona o problema,
dizendo:
“ – Você não qué nada, né? Não tá vendo a cor do
computador? É preto, meu amigo, espera que
funciona bem?”.
O beija-flor caiu.
Os cidadãos se entreolhavam
depois daquela afirmação gritada, poderosa e engraçada...
Afinal, um bom policial deve se mostrar bom;
um bom cidadão deve se mostrar bem.
As batidas de asas do beija-flor
cansaram menos os olhos que a as batidas de palavras fustigadas o espírito, e
isto mesclado às batidas de porta ( e“poder”, eram as onomatopeias!), aos narizes
empinados dos servidores, às placas de proibido...
O cidadão viveu três horas de
sua vida no local onde se “serve e protege”. Coitado do beija-flor, sequer ele
foi protegido da morte... Coitado do computador preto, sequer ele foi protegido
das piadas desgraçadas... Coitado do cidadão, que sai do estabelecimento com uma única serventia
nas mãos: uma simples crônica.