quinta-feira, 30 de maio de 2013

Poema para ser lembrado enquanto no mundo houver história


A insaciabilidade nasce na criança, e não morre no velho.
Ela é presente no mais rústico barulho da chuva,
Quanto no mais engenhoso equipamento heudaimônico.
A insaciabilidade vive dos povos mais antigos
Aos povos mais bem vistos:
Nenhum passado sacia mais que um possível futuro.
Ela é no mundo algo de anterior ao mundo;
Ela é o homem antes do homem.
A insaciabilidade diz respeito a uma ordem de tempo doentio:
Doença que não pode, não precisa e não quer ser medicada.
A insaciabilidade produz história e conta a História;
Produz guerra e também paz;
Ela se faz porque, insaciavelmente,
Se deseja aos olhos e às mãos de qualquer um que a faça.
A insaciabilidade é uma desgraça,
Mas também é graça.
A insaciabilidade é ruptura e choro,
Mas também (e além) é continuidade e riso.
A insaciabilidade não deixa de ser poesia por estar à prova,
Não por isso.
Não queixa por ser uma menina de vontades imoderadas,
Sempre nova.
A insaciabilidade diz o que nenhuma outra força tem coragem de dizer:
Que antes, durante ou depois do tempo, é somente seu grito
Que pode silenciar algo no curso do mundo.

Um comentário:

  1. "(...)
    Embora tenha sido leitor voraz e ardente, não me lembro de qualquer livro que haja lido, em tal grau eram as minhas leituras estados do meu próprio espírito, sonhos meus — mais, provocações de sonhos. A minha própria recordação de acontecimentos, de coisas externas, é vaga, mais do que incoerente. Estremeço ao pensar quão pouco resta no meu espírito do que foi a minha vida passada. Eu, um homem convicto de que hoje é um sonho, sou menos do que uma coisa de hoje."

    Páginas Íntimas e de Auto-Interpretação. Fernando Pessoa.

    Obrigada pela partilha!

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